‘Killers of the Flower Moon’ demonstra, mais uma vez, o amadurecimento de um já conceituado mestre do cinema
Adaptando um livro que reconta, pela perspectiva de um grupo de investigadores, os misteriosos assassinatos que aconteceram na década de 20 na região de Oklahoma, nos Estados Unidos, onde diversos membros da tribo indígena Osage foram massacrados em meio a uma luta pela exploração de sua cultura, riquezas e o petróleo presente em suas regiões, “Killers of the Flower Moon” opta por não acompanhar as pessoas que desvendaram esses crimes, mas sim os homens gananciosos que executaram os ataques e suas vítimas que, por muito tempo, tiveram suas vozes silenciadas e oprimidas.
Essa premissa em si poderia ser aplicada em inúmeros outros casos de países colonizadores que esconderam suas brutais ações por trás de palavras de amizade, progresso e religião. Porém, aqui, Scorsese não pretende apenas trazer aos holofotes esse povo que, por tanto tempo, a história tentou apagar, mas sim utilizar mais uma vez o seu sofrimento para, quase que ironicamente, “condenar” a sua própria história.
Scorsese, um diretor tão aclamado por sua longa contribuição e impacto no mundo do cinema, desta vez demonstra um amadurecimento ainda maior do que o visto em “The Irishman”, seu último trabalho. É possível enxergar o senso de autocrítica do diretor, que percebe que, por mais que grande parte do público queira acompanhar novos desdobramentos brutais e sanguinários como os de “Taxi Driver” ou “Goodfellas”, com a força que seu trabalho possui, talvez tenha chegado a hora de mover suas peças com mais calma e nos permitir conhecer o lado das pessoas que sofrem nas mãos desses homens que detêm tanto poder, no lugar de enxergá-los como os símbolos heróicos de nossas histórias.
Os Osage são cuidadosamente apresentados, mas não tratados como protagonistas, porque Scorsese sabe que não cabe a ele ser a voz salvadora desse povo. Então, ao invés de apenas torná-los os heróis dessa narrativa, ele opta por demonstrar o quanto o homem branco foi o centro de todo o sofrimento desse povo – o verdadeiro vilão. Portanto, mesmo que à primeira vista “Killers of the Flower Moon” possa parecer não trazer a melhor representação possível dos nativos americanos da tribo Osage, na realidade, esse nunca foi seu principal objetivo. Scorsese ironiza sua história, subverte expectativas e entrega uma história de magnitude impressionante, por entender que ele não poderia simplesmente falar por aquelas vítimas, mas deveria, na realidade, condenar as ações de seu próprio povo.
Podemos, em um primeiro momento, observar o drama histórico que a obra pretende explorar, mas ela não apenas retrata essa parte ignorada e por muito tempo apagada da história americana, como também propõe diversas reflexões que ganham ainda mais força a cada minuto que o longa se desenvolve. O movimento de embranquecimento e apropriação de um povo e sua cultura, a exploração de minorias, as falhas de um sistema com políticas de inclusão deficientes e o movimento de espetacularização de tragédias são apenas alguns dos temas que podem ser interpretados nesta obra.
Em aspectos técnicos e artísticos, também não há do que reclamar do longa. Desde a sua fotografia até sua trilha sonora e roteiro, o filme se demonstra impecável. E somando isso às duas melhores performances de 2023 (por parte de DiCaprio e Lily Gladstone), “Killers of the Flower Moon” consagra, com uma avassaladora execução, a jornada de subversão de Scorsese que, com muito respeito e maestria, decide trazer luz para uma parte tão importante da história que merecia ser vista. Fazendo das vítimas desses acontecimentos os verdadeiros heróis e símbolos de inspiração que precisávamos enxergar.
Kenai
Enviar