Garra de Ferro: Uma história sobre sonhos, ambições e obsessões

Um tópico inevitável a ser discutido quando estamos analisando um filme como esse é a onda massiva de cinebiografias pela qual o cinema tem sido atingido nos últimos anos. Desde que Hollywood descobriu o poder da nostalgia e aos poucos converteu esse lucrativo gosto de suas audiências para o meio das cinebiografias, a mediocridade e a lei do mínimo esforço têm prevalecido sob grande parte dessas produções, cujo intuito claro tem sido conquistar o espectador gastando a menor quantidade de recursos possíveis.

Esse movimento tem sido tão grande que podemos enxergar sua extensão até mesmo para o Brasil, onde a demanda por cinebiografias de artistas e grandes personalidades nacionais tem crescido a cada dia. No entanto, assim como lá fora, não tem conseguido entregar muitas produções que fujam dos títulos de “ok” e “esquecível”.

Tendo ciência disso e observando a linha de produção pela qual esse tipo de longa tem passado, precisamos, em algum momento, parar e nos questionar: o que faz uma boa cinebiografia? Na minha visão, para conseguir ser boa, uma cinebiografia precisa ser capaz de capturar a essência da pessoa cuja vida está sendo abordada e conseguir contar a sua história, ou ao menos parte dela, com excelência o suficiente para que qualquer pessoa possa compreender a importância do mesmo.

Porém, para que um longa seja capaz de verdadeiramente marcar e persistir conosco por um bom tempo, se destacar na prateleira dentre as outras obras que chegaram e ainda chegarão como concorrência, ela tem sim que atingir esses pontos bem, mas deve também almejar algo a mais. Uma reflexão, um sentimento ou emoção. Algo que seja capaz de fazer jus à história contada e possa persistir com o espectador, especialmente quando a história retratada segue um rumo tão trágico quanto a contada em “The Iron Claw”. Não seria justo apenas retratar tamanho sofrimento sem entregar algo de positivo a ser retirado de tudo isso.

Dessa maneira, finalmente chegamos à história dos Von Erich, uma família de lutadores que passou por tantos problemas e infelicidades ao ponto de que uma crença sobre uma possível maldição carregada em seu nome passou a existir, quando na realidade diversas outras questões negligenciadas pela própria família e sociedade da época serviram como ponto de partida para suas dificuldades. Saúde mental, masculinidade tóxica, abuso parental, vícios e muitas outras questões se tornaram a verdadeira causa por trás dessa “maldição” que os perseguia, e é por capturar tão bem e de maneira tão respeitosa essas dificuldades, mas não deixando de demonstrar também a força dos laços compartilhados por aqueles irmãos, que essa obra se destaca e é capaz de gerar tanta comoção.

A direção de Sean Durkin é muito assertiva por trabalhar com duas abordagens distintas ao longo do decorrer da narrativa e fazer com que ambas conversem perfeitamente entre si, além de complementarem o peso uma da outra. Quando os personagens são colocados dentro do ringue, um certo senso de espetáculo está sempre muito presente, fazendo uma relação direta ao esporte retratado que é completamente focado na recepção do público, mas também demonstrando que independentemente dos problemas que eles carregavam lá fora, quando estavam juntos dentro do ringue, aqueles irmãos se sentiam livres e genuinamente felizes. Por outro lado, quando deixamos esse cenário somos tomados por uma visão mais íntima e contida. O sentimento de luta nunca os abandona, afinal de contas, os desafios pessoais enfrentados por eles eram constantes, e com isso o drama familiar que vai sendo desenvolvido vai desgastando seus psicológicos na mesma intensidade que as lutas no ringue se tornam mais exaustivas e difíceis de encarar.

Outro ponto memorável de sua execução é a decisão do diretor de abrir o longa com uma sequência em preto e branco onde, pela única vez durante todo o filme, o passado do pai é visualmente retratado, no sentido de que o vemos ativamente lutando por seu sonho ao invés de estar o impondo sobre alguém. A grandiosidade desse momento está em conseguir capturar com poucas ações e breves palavras o quanto conquistar o título mundial e triunfar nesse esporte era importante para Fritz Von Erich, ao mesmo tempo que deixa claro o quanto esse seu ambicioso sonho foi se tornando uma obsessão que causaria tanta dor em seus filhos. Esses são pontos que seguem sendo desenvolvidos pelo longa, mas só nesses primeiros minutos já conseguimos compreendê-los o suficiente para já começarmos a construir um sentimento empático por aqueles jovens que ainda nem conhecemos propriamente.

Em essência, “The Iron Claw” é uma história que gira em torno da imposição e repressão, no caso a imposição do sonho de um pai frustrado sobre seus filhos e a repressão dos sentimentos e desejos próprios desses filhos na busca de orgulhar e conquistar a aprovação de seu pai. Essa é uma relação completamente pautada sobre um abuso mascarado por um amor paterno que diz desejar apenas o sucesso de seus filhos. É uma conexão onde a troca nunca é igual. Um lado pede, ou melhor, exige o tempo todo, enquanto o outro é obrigado a acatar, acreditando que ao fazer isso está sendo respeitoso. Essa ideia implantada na mente desses jovens de que eles deveriam sempre abaixar a cabeça para o seu pai, pois por mais que ele os levasse sempre à beira de seus limites, ele estaria fazendo isso apenas para que eles se tornassem mais fortes é muito bem abordada e é aí que as maravilhosas atuações do elenco surgem para complementar o ótimo desenvolvimento do roteiro.

Jeremy Allen White, Harris Dickinson e Stanley Simons, nos momentos que lhes são oferecidos, transmitem perfeitamente bem as maiores paixões e angústias vivenciadas pelos Von Erich ‘s mais jovens e sobre isso acho importante pontuar o quanto Simons faz um ótimo trabalho. Interpretando o mais jovem dos irmãos e sendo, dentre os atores principais, aquele menos conhecido, em momento algum sua presença é ofuscada e por isso ele merece reconhecimento. Mas agora, se tem alguém que realmente domina toda a cena em que está presente, esse alguém é, sem sombra de dúvidas, Zac Efron, um ator que fico muito feliz em poder dizer que acompanho desde o início de sua carreira, e que se seguir buscando por papéis mais dramáticos ao invés de se contentar com as comédias besteirol que tem feito nos últimos anos, tem de tudo para se tornar um dos maiores atores de sua geração. Ah, e acho bom comentar aqui que sim, ele merecia muito ter sido indicado ao Oscar esse ano.

Sem questionar em momento algum o potencial de seu protagonista, Sean Durkin deposita o maior peso dramático da narrativa sob a interpretação de Efron, confiando que ele seria capaz de transmitir tudo aquilo que Kevin Von Erich sentia, mas que muitas vezes não podia demonstrar, e nisso ele não decepciona. Através de sua linguagem corporal, ele demonstra impecavelmente o quanto, apesar de parecer bruto por fora (complementando essa ideia através de seu físico monstruoso), Kevin possuía um jeito sensível e carinhoso, e é por trás de seu olhar e sutis expressões faciais que podemos enxergar a constante batalha que ele travava contra seus próprios sentimentos na tentativa de reprimi-los para não parecer fraco perante seu pai, e o sentimento de impotência sentido por ele ao não ser capaz de proteger seus irmãos mais novos dos trágicos eventos que viriam a atormentá-los. Essa é de longe a sua maior e melhor interpretação até hoje. Simplesmente hipnotizante!

“The Iron Claw” é, na minha visão, a melhor e mais sensível cinebiografia que tivemos nos últimos anos. Mesmo revisitando essa fatídica história, a obra de Sean Durkin busca encontrar o melhor sentimento possível no meio de tanta aflição, tirando nosso fôlego e arrancando nossas lágrimas da maneira mais reverente que ele pôde encontrar. Sendo um irmão mais velho, eu digo com convicção que, dentre todos os filmes que já vi, esse foi de longe um dos que melhor capturou esse amor e dever de proteção que sentimos para com nossos irmãos mais novos. Eu já esperava gostar do longa, mas não imaginava que ele fosse me tocar em um lado tão íntimo e de um jeito tão profundo quanto aconteceu. Eu não consigo imaginar como seria a minha vida sem o meu irmão, então é, eu chorei igual um bebê em diversos momentos da narrativa.

Kenai

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