Argylle – Um decente início de uma franquia que precisa controlar seus excessos.
Após uma sequência de filmes sólidos e uma franquia promissora, Matthew Vaughn, a mente por trás de memoráveis lançamentos dos últimos anos na cultura pop como Kick-Ass, X-Men: Primeira Classe e os excêntricos e cheios de ação Kingsman, desta vez o diretor, ao lado da Apple TV Plus, investe em um novo universo autoral onde a ficção, fantasia e realidade deveriam se encontrar nos elementos que mais saltam aos olhos em seus trabalhos anteriores: sequências de ação extravagantes e dinâmicas, um clima de espionagem/investigação cativante e muita música. No entanto, é em meio a boas ideias que, quando unidas, passam a sobrepor o potencial de outras que o filme acabada caindo no velho ditado do “tudo em excesso faz mal”.
E se uma autora de livros de sucesso subitamente descobrisse que os personagens e histórias que ela criou naquelas páginas tivessem ganhado vida? Ou então que, na realidade, ela sempre esteve escrevendo sobre coisas que já existiam, mesmo sem saber, e percebesse que possuía a habilidade de escrever o futuro real, por trás da sua ficção? Pois bem, com essas ideias promissoras e uma execução inicial cativante, Argylle nos traz para dentro de seu universo de espionagem, onde Elly Conway, a autora de uma famosa série de livros, acaba presa no meio de perseguições, grupos criminosos e espiões que a fazem descobrir que tudo o que ela sempre imaginou era na verdade real e agora colocava a sua vida em risco.
É difícil não se deixar levar por uma premissa tão interessante, ainda mais quando o filme conta com um elenco repleto de estrelas carismáticas para nos fisgar para dentro de sua narrativa. Sendo assim, sob o olhar de Vaughn, o longa abre suas 2 horas e 20 minutos de duração sem poupar tempo para nos transportar para o meio de muita ação absurda que, trabalhada ao lado de boas coreografias de luta e movimentos de câmera criativos, ganham um dinamismo que nos remete diretamente a seus antigos trabalhos e conquista nossos interesses por equilibrar tudo isso com um humor certeiro. O problema é que, mesmo demonstrando muita criatividade e um mistério envolvente acerca do rumo que a história irá tomar, Argylle esquece que, para se tornar uma franquia com potencial, é necessário personalidade e que seus espectadores sintam algo a mais por seus personagens.
Por mais que os primeiros 50 minutos do filme não falhem ao entreter e divertir, conseguindo ainda instigar uma curiosidade positiva, eles não são capazes de imprimir algum senso de empatia e comoção mínima por seus protagonistas. É fácil se pegar pensando mais na presença de Henry Cavill, John Cena e Dua Lipa, que interpretam personagens menores no mundo ficcional, do que conseguir verdadeiramente se importar com o lado da realidade onde Bryce Dallas Howard e Sam Rockwell se metem em diversas confusões que vão perdendo o seu sentido à medida que o filme abandona cada vez mais o seu lado da ficção e potencial fantasioso, ao trazer 10 plot twists seguidos que, além de cansar, prejudicam a narrativa ao tentar incessantemente torná-la mais crível e pé no chão.
Do momento em que Henry Cavill, com seu corte de cabelo caricato, sai atravessando paredes com um carro sem sofrer nenhum arranhão ou John Cena pega Dua Lipa de cima da sua moto em movimento apenas esticando seu braço, nós, como espectadores, compramos totalmente esses absurdos e não duvidamos de sua veracidade. O problema é que Matthew Vaughn parece não saber o que fazer após nos fisgar, e pouco a pouco vai nos levando por um caminho cansativo e muito artificial que, a cada nova sequência, se distancia de seus pontos mais fortes, só não nos perdendo completamente exatamente por conseguir entregar uma introdução tão sólida que ganha a audiência.
Como um entretenimento de fim de dia, Argylle é uma aposta certeira. Mesmo com tantas inconsistências narrativas e visuais, o filme verdadeiramente diverte, trabalhando um ótimo timing de comédia ao lado de suas sequências de ação que, em sua maioria, nos fazem vibrar e cair na gargalhada sem muita dificuldade. Porém, ainda que muito promissora, a obra se perde em meio a tantas boas ideias se entregando a uma extravagância que gradativamente vai se transformando em um infeliz excesso. São personagens demais, muitas viradas narrativas e plots a todo momento e um clímax que se estende por pelo menos 20 minutos a mais do que o necessário, fazendo dessa história que possuía todos os elementos para se tornar um grande filme em algo apenas OK. Certamente, Argylle conseguirá divertir o público geral, mas sua falta de personalidade logo acabará por assombrar seu futuro, onde o adjetivo “da hora” provavelmente será a melhor coisa que ouviremos sobre o filme.