Anatomia de uma Queda – As nuances de um casamento que vão muito além de um crime ou tribunal

Entrando no longa com a única noção de que havia ouvido falar muito bem sobre ele, “Anatomia de Uma Queda” conseguiu me provocar um mergulho psicológico tão fascinante e, pasmem, surpreendente mesmo que eu não possuísse muitas expectativas. Ao se demonstrar muito original, possuir atuações excelentes e contar com as duas características que mais me cativam em uma boa obra, além de seu trabalho de câmera: um uso de trilha sonora perfeito e um roteiro extremamente bem escrito.

Toda a história gira em torno de Sandra Voyter, uma escritora que está sendo acusada de matar o próprio marido, empurrando-o da janela do sótão de sua casa. No entanto, além das suspeitas de que ela poderia ter cometido o crime, existe a possibilidade de a queda ter sido apenas um acidente ou até mesmo intencional. Com escassez de provas e tendo como única testemunha dos eventos o filho cego do casal, as investigações e o julgamento em torno do caso se tornam cada vez mais intensas.

Em um primeiro momento, é sempre claro que a construção visual e estética de uma obra é aquilo que conquista a nossa atenção, e esses quesitos aqui certamente são louváveis por suas ótimas execuções. A direção de Justine Triet (cujo trabalho eu não conhecia, mas certamente terá o meu interesse no futuro) constrói esse retrato cru e, eu diria, de certa forma visceral em um sentido emocional, de um trágico evento de causa desconhecida, mas que possui consequências gritantes em todos os seus personagens. Sua câmera não julga, ou de maneira precipitada tenta nos coagir a pender para um dos dois lados apresentados em sua história, mas sim, com muita maestria, permite nos imaginarmos dentro daquele tenso ambiente e sentirmos seu impacto como se fossem nossas vidas sendo julgadas dentro daquele tribunal.

Porém, ainda que eu pudesse divagar por muito tempo aqui sobre como a fotografia do filme é maravilhosa, eu prefiro saudar os outros pontos que realmente me impressionaram e foram o motivo de elevar a obra a um nível acima para mim. Sendo eles a sua fantástica trilha sonora que não tenta roubar de nós algum tipo de sentimento que talvez a sua narrativa pudesse deixar de propor, e seu esplêndido roteiro que propõe não só um estudo de personagem incrível mas dá uma verdadeira aula de como um bom texto é a principal e mais forte base que uma obra precisa para se sustentar.

A escolha de trabalhar com a maioria da trilha sonora de maneira diegética, a colocando no filme em momentos muito pontuais e precisos, faz com que toda a tensão e emoção construídas pela obra sejam alavancadas, já que o impacto gerado em nós pelas canções é o mesmo que o gerado nos personagens, afinal de contas são eles próprios quem estão ativamente as tocando. E quanto ao roteiro, tudo o que sou capaz de articular de mais profundo nesse momento onde ainda me encontro muito impactado pelo que acabei de assistir é que pouquíssimas vezes me vi tão instigado e fascinado com certas escolhas de palavras quanto aqui. É simplesmente perfeito.

Todo o elenco é digno de aplausos. Dos atores que possuem as menores participações até os grandiosos protagonistas, todos são impecáveis, e nisso eu me sinto obrigado a citar o quanto Sandra Hüller é uma força avassaladora. Enquanto ela nos envolve completamente na densa e trágica situação de sua personagem, Swann Arlaud traz um leve e amigável rosto no meio de toda essa turbulência, e preciso ressaltar também o quanto Milo Machado-Graner também está incrível, entregando uma das melhores atuações mirins que já vi em um filme.

Quando o longa se encerra, não somos presenteados com um grande clímax, uma alegre recompensa ou uma virada trágica que carregue nosso coração para um lado mais sombrio. No fim, tudo se resume à cena em que Sandra, durante um jantar após a sua sentença, diz a Vincent que esperava algo a mais, uma sensação de alívio ou um momento de respiro para compreender que todo aquele caos, para o bem ou mal, finalmente acabou. É isso que “Anatomia de Uma Queda” desejava atingir. Sua história nunca foi apenas sobre uma relação familiar, ela nunca buscou representar apenas uma mera tensão vivenciada dentro de um tribunal. A obra fala sobre amor, saúde mental, intimidades e dificuldades de um casamento, incertezas da vida e principalmente sobre o que poderia levar alguém a não enxergar outro caminho que não fosse a queda. Seja ela no sentido físico e literal ou de um lado mais psicológico e figurado.

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Anatomia de uma Queda
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