ECHO – VEREDITO DO QUESITO
ECHO
Apesar de possuir mais acertos do que erros, Echo sofre demais com uma história conturbada, um futuro incerto da Marvel e a confusão da estreia do selo“Spotlight” da empresa. A série sobre a Maya Lopez cumpre a sua proposta de entregar uma história de origem da personagem, bem como introduzi-la ao público geral, mas parece que todo o capricho e cuidado com a obra ficou centrado na protagonista e portanto toda a trama e relacionamentos construidos ao redor dela são frageis e subutilizados.
Echo é um projeto da Disney que não só passou por diversas regravações, mas também foi quse cancelado por motivos fiscais. A série quase não chegou a ver a luz do dia, porém com a greve dos atores e roteiristas a Marvel se viu na necessidade de preencher um calendário que ficara muito vazio em 2024, até porque a previsão é de que haja apenas “Deadpool 3” como filme do UCM esse ano. É importante contextualizar o nascimento da série, pois qualquer projeto conturbado como esse semi-cancelado, re-editado diversas vezes, enxugado ao extremo e depois recheado de conexões sem ponta num UCM meio perdido, vai inevitavelmente sofrer em algum aspecto e em Echo é no ritmo e história.
Contando com apenas cinco episódios Echo é um reflexo da falta de assertividade da Marvel atualmente, estreando o selo “Spotlight” sob a premissa de que não seria necessário rever nada para que se possa acompanhar a série – já que o UCM tem se tornado tão complexo de acompanhar quanto as HQs – a série abre recapitulando a jornada da Maya Lopez em Gavião Arqueiro. Aos que acompanharam a série isso parece apenas um desperdício de episódio e aos que nunca assistiram a jornada do Ronin, ainda que breve, é desconexa e isenta de qualquer profundidade ou carga emocional. E infelizmente essa superficialidade de emoções e relacionamentos vai ser um tema que se repete várias vezes aqui.
A jornada começa com os eventos após Maya Lopez supostamente matar o Rei do Crime, ela então parte para uma jornada de auto-descoberta que transita entre querer destruir o império de Wilson Fisk, se tornar a “Rainha do Crime”, se reconectar com sua familia e explorar a sua herança cultura. Infelizmente, durante cinco episódios ficamos tão desamparados quanto Maya, sem saber o propósito de suas ações ou objetivos maiores como personagem. De certa forma, Echo deve lembrar os fãs da época em que a Marvel apostava nos relacionamentos humanos e no carisma dos personagens para manter a audiência retornando às telas, mas se a ideia fazia sentido a execução foi pobre. Echo acaba não se dando espaço ou tempo para verdadeiramente fazer com que nos importemos com qualquer personagem que estivesse adjacente a protagonista, somada a uma história que não sabe o que quer transmitir temos uma série morna.
Agora se a história da série é feita de forma inadequada, a história da Maya Lopez é, não só introduzida com maestria, mas expandida e melhorada de forma espetacular. A atriz Alaqua Cox é perfeita para o papel de Echo, compartilhando com ela suas origens nativo americanas e deficiência auditiva – além da atriz também possuir uma perna prostética – e ela consegue em diversos momentos transmitir nítidamente humor e drama nos poucos bons momentos que lhe são dados. O relacionamento dela com Wilson Fisk, obviamente, é o destaque da série, o que não surpreende já que suas origens nas HQs são diretamente ligadas a ele e ao Demolidor e como era de se esperar contracenando com o sempre fantastico Vincent D’Onofrio esses são os momentos em que ela e a séria estão melhor. Echo serve como um espelho para o Rei do Crime e reforça suas vulnerabilidades emocionais antes vistas em Demolidor, ele é um monstro, mas é instável emocionalmente e ultra possessivo com as poucas pessoas que parecem ter lhe demonstrado amor na vida. Mas, assim como tudo em Echo a série não vai realmente a fundo nessa dinâmica e repete o que já sabiamos sobre essa relação paternal entre os dois.
Echo também faz um trabalho histórico para a Disney em questão de inclusão e representatividade, apesar de Echo ser a segunda personagem com uma deficiência auditiva em telas, ela é a primeira a protagonizar seu show e uma que é tratada com carinho e respeito. Diferente do que fizeram com a Makkari em Eternos, onde o super poder dela “anula” a deficiência dela, basicamente ignorando um traço particular dela como se isso a tornasse uma personagem “melhor”, em Echo a Marvel celebra, valoriza e exalta tudo que compõe a personagem da Maya Lopez. Por sinal, algumas das cenas mais bem elaboradas da série fazem uso de ASL (American Sign Language), o equivalente a Libras, de forma contundente para falar de amor.
Agora se dentro das telas o trabalho foi bem feito, por fora é louvável o trabalho que foi executado pelo elenco, direção e equipe responsável por Echo. Além de vários atores e pessoas aprenderem ASL para poder se comunicar com Alaqua Cox no set, a saída dos diretores iniciais para deixar a história nas mãos de uma pessoa nativo americana, bem como toda a consultoria, simbolismos e folclore do povo Choctaw inclusos na série são um feito extraordinário. Pessoalmente, inclusão e representatividade são assuntos pessoais e importantes para mim, e ver esse nível de cuidado em uma série desse tamanho é de aquecer a alma.
Echo acerta em alguma escolhas de direção criativa, principalmente na abertura dos episódios onde descobrimos mais sobre a origem do povo Choctaw com a história do surgimento das mulheres protetoras, o jogo que realizavam para solucionar conflitos sem derramar sangue, o pássaro Bisniki que avisava sobre perigos e diversos outros detalhes que compunham a origem da Echo que eventualmente dão novo significado ao nome da personagem – e diga-se de passagem uma versão muito superior às origens das HQs. Além disso, essa é a primeira séria a receber legendas em Choctaw, a lingua nativa da personagem que estava quase em extinção e teve um trabalho gigantesco de preservação e exposição através da série. A consultoria do povo Choctaw foi extensa e vocês podem ler mais no site oficial deles aqui (infelizmente apenas em inglês).
Todo esse legado e herança cultural não serve apenas para construir a personagem da Echo, mas também faz tributo a uma série de HQs onde ela entra em contato com a força Phoenix e resignifica os novos poderes que ela recebe para amarrar um arco pessoal competente. E a grande vitória de Echo é acertar, parcialmente, na proposta do “Spotlight” de introduzir e contar a história de origem de um personagem para o público foi realizada com êxito, a parte de fazê-lo sem grandes conexões com o UCM ficou a desejar. Falando exclusivamente da história de Maya Lopez, os fãs ficaram satisfeitos com o que foi realizado mesclando as origens da HQ com uma revitalização para uma nova época. Echo é uma personagem relacionável, humana, temperamental e determinada – ainda que essas características todas não sejam direcionadas efetivamente, elas estão lá.
Outro detalhe que vai deixar fãs entristecidos é a promessa de uma série extremamente visceral e brutal ficou pelo meio do caminho e pareceu mais uma jogada de marketing do que algo imprescindível ou coerente com a série, até porque grande parte da violência estava nos trailers. A série também sente falta de mais cenas de ação, mas as poucas que ocorrem são bem coreografadas com exeção da cena final. Não esperem níveis “Demolidor – Netflix” de coreografias, mas apesar dos cortes óbvios para mascaras múltiplos takes as lutas entregam o necessário na série.
Echo deve agradar aos fãs da personagem nos quadrinhos que queriam um pouco mais dela e também introduziu a mesma para uma nova gama de fãs que deve se encantar pela carismática Alaqua Cox. A série acerta na construção e origem da personagem, mas nunca consegue estabelecer nenhum relacionamento significativo para Maya Lopez, o que faz uma série sobre herança familiar e cultural parecer pobre, é bizarro se falar da família de um passado distante com tanto amor e no presente imediato nos oferecer relacionamentos vazios. Precisávamos de mais tempo e episódios para nos importarmos com as pessoas ao redor de Echo e não apenas ela, ao mesmo tempo em que precisávamos de uma clareza maior na proposta da série que parece não saber qual história quer contar sobre a personagem. E o final parece deixar isso claro, não se sabe o direcionamento do Wilson Fisk ou de Maya como personagem, estão reformados e curados, permanece vilões e anti-heróis e qual o papel deles no futuro do UCM?
No fim, Echo sofreu muito com o contexto no qual foi criado, e falhou miseravelmente em construir uma história interessante ao redor de uma personagem carismática e interessantíssima. Ainda assim, ver a Maya Lopez ser enaltecida e desenvolvida em um papel de protagonismo foi algo que me deixou feliz, bem como a execução imaculada de representatividade, inclusão e apreço pela herança cultural do povo Choctaw. A Marvel também precisa se decidir na proposta do “Spotlight”, pois se são séries contidas dentro de si que não conectam com nada fora delas mesmas, não faz sentido criar ganchos para personagens como a Maya, o Rei do Crime ou o próprio Demolidor sem a intenção de explora-los futuramente.