Meninas Malvadas (2024) – Crítica
Adaptar um clássico da cultura pop para os tempos modernos é sempre uma pressão e um desafio gigantesco. Além das inevitáveis comparações, existe a batalha contra o saudosismo, nostalgia e fãs super protetores. Porém, a nova versão de Meninas Malvadas deve se tornar a favorita de muitos fãs do original, bem como a obsessão de uma nova geração. E, verdadeiramente, a versão que recebemos em 2024 é superior à original em todos os aspectos — menos um.
Meninas Malvadas (2024) é uma adaptação do musical, adaptado do filme original de 2004, que por sua vez é adaptado de um livro. Em todas as suas iterações, o filme retrata a vida adolescente no colegial e suas dinâmicas como uma selva. Um legado do livro original de autoajuda “Queenbees and Wannabes”, que observava quase de forma antropológica os diferentes grupos que habitavam esse ecossistema e mirava em ajudar os pais a guiar os filhos durante esse período escolar.
Através dessa premissa e observação quase científica, Meninas Malvadas criou um retrato tão poderoso, fiel e crítico das pressões e dificuldades sociais de se navegar em um lugar tão hostil. As comparações entre as “tribos” e a hierarquia social de uma escola foram reveladas como assustadoramente similares às do reino animal. Porém, com uma injeção de humor e comentários sociais contingentes sobre sororidade, aceitação, inclusão, amor próprio, respeito, diversidade, papéis de gênero, pressão social, regras sociais não ditas e até mesmo questionamentos quase filosóficos sobre estruturas de poder, Meninas Malvadas (2004) estava muito à frente de seu tempo.
Uma análise mais profunda poderia ser feita sobre moralidade, ética e a capacidade que o poder tem de corromper. Outro questionamento que surge é se “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe” ou se “o homem é o lobo do homem”. E a verdadeira genialidade da obra está em destilar esses temas extremamente complexos em personagens simples, relacionáveis, humanos e piadas excelentes.
A nova versão de Meninas Malvadas carrega consigo tudo isso, bem como algumas modernizações de certas cenas e diálogos que ajudam a situar o filme nos dias de hoje. O roteiro adaptado por Tina Fey — que também escreveu o musical da Broadway e o filme original — é revitalizado para incluir as mudanças tecnológicas, novos trejeitos da geração e excluir piadas e tramas datadas.
Dito isso, o filme é uma réplica quase verbatim do original, o que significa que todos os seus momentos e falas icônicas estarão lá. O que engrandece a narrativa são as músicas, que não só divertem mais ajudam a expandir a história de alguns personagens. As músicas, dessa versão musical, são bem escritas, performadas e coreografadas, além de serem espaçadas e enfaixadas de forma a ajudar a trama fluir.
Apesar de as músicas chamarem a atenção, o que verdadeiramente rouba o show são as atuações impecáveis de um elenco não só talentoso, mas comprometido com a importância da obra. Os atores mais famosos como Tina Fey, Tim Meadows, Busy Philipps, Jenna Fischer e Jon Hamm servem como suporte para uma nova geração que entrega tudo. As performances coadjuvantes da Gretchen Wieners (Bebe Wood) e Karen Shetty (Avantika Vandanapu) são tão icônicas quanto as originais, mas é o trio original de Janis, Damian e Cady que esse filme começa a se destacar.
Janis (Auli’i Carvalho) e Damian (Jaquel Spivey) são a alma e coração do filme, servindo como suporte para Cady (Angourie Rice) com mais carisma do que seus predecessores — o que não era uma tarefa fácil. Já nossa protagonista não deixa a desejar em relação a Lindsey Lohan, mas parece capturar muito mais o lado ingênuo e novato da Cady do que sua transformação em uma das “plásticas”. Agora, o que é incontestável é que Reneé Rapp é a versão definitiva da Regina George, uma performance tão segura, confiante e imponente que não só redefine a personagem, mas parece verdadeiramente capaz de alterar o ambiente de qualquer lugar que ela entrar.
De um ponto de vista técnico, Meninas Malvadas é um filme bem produzido, editado e dirigido. Algumas escolhas de direção, transição e edição pareceram fora de sincronia com o resto do filme, além de pequenas incongruências em termos de continuidade. Mas, aqui deixo meus elogios para o figurino impecável, iluminação criativa, design de set bem estruturado e coreografias de dança que mesclaram o estilo Broadway com o cinema perfeitamente.
As inevitáveis comparações serão feitas entre os dois filmes, que são obras excelentes, e qualquer uma das duas pode ser sua favorita, mas o original fez algo que esse não fez — ele esteve muito à frente de seu tempo. Basta relembrar os temas desse filme, que são os mesmos do original, e ver o quão atuais e importantes eles são hoje. O primeiro filme teve uma sensibilidade e capacidade quase assustadora de entender os movimentos sociais que se tornariam tão vigentes no futuro, e quase vinte anos depois eles ainda são. E esse é o único ponto em que Meninas Malvadas (2024) deixa a desejar, por reutilizar algo de duas décadas atrás ele não está e nem vê a frente de seu tempo, como o primeiro fez.