Duna: Parte 2 – Um Triunfo Monumental no Cinema de Ficção Científica
Uma das coisas interessantes de se notar, ao olharmos em retrospecto para a carreira de Denis Villeneuve, é a clara presença de uma progressão de escala em sua filmografia. Desde “Incêndios” (2010), um poderoso drama familiar responsável por alavancar sua carreira, até “Os Suspeitos” (2013), outro suspense carregado de tensão, e histórias de ficção científica ricas em simbolismos como “A Chegada” (2016) e o brilhante “Blade Runner 2049” (2017), é fascinante perceber como parece que a cada nova obra o diretor traçava seu caminho para finalmente receber a chance de adaptar o tão aclamado “Duna”, um dos livros de ficção de maior influência no mundo até hoje, que surge com a grandiosa convergência de seus trabalhos.
Com isso em mente e observando o quanto a obra de Frank Herbert é importante na vida de Denis, que já declarou em diversas ocasiões seu amor e a importância do livro em sua jornada até se tornar um diretor de cinema, é seguro compreender que ele não aceitaria nada além de excelência na adaptação de algo tão significativo em sua vida. Por isso, desde “Duna: Parte 1” (2021), podemos afirmar que sua ambição e fascínio eram tremendos, assim como seu cuidado e carinho também.
No primeiro longa da franquia, é notável um caráter mais introdutório e de estabelecimento no que diz respeito ao ritmo da narrativa. Esse universo gigantesco, tomado por conflitos políticos, crenças influentes, diferentes culturas e uma vasta variedade de planetas com suas respectivas flora e fauna, tornam essa obra muito densa e que precisa ser levada com calma para que, dentro de poucas horas, seja possível para o espectador compreender a magnitude de tudo ao mesmo tempo que não se sinta sobrecarregado de informações. Sendo assim, os conflitos internos e motivações de seus principais personagens são priorizados no lugar de grandes sequências de ação explosivas, e mesmo que isso possa ter desagradado alguns, no meu ver, tudo ocorreu em prol do bem maior.
A visão confiante de seu diretor, por mais divisiva que possa ter sido, fez do filme de 2021 uma obra a ser lembrada e muito aclamada pela crítica. Com suas maravilhosas escolhas visuais e a fantástica trilha sonora de Hans Zimmer, “Duna: Parte 1” se tornou uma verdadeira experiência cinematográfica que eleva o sentido da palavra épico em todos os sentidos possíveis e já demonstrava que coisas ainda maiores estavam por vir. Todas aquelas intrigas, mistérios e a jornada daqueles personagens estavam apenas começando (apesar de não soarem vazias e incompletas ao final do primeiro filme), e é após termos tido tempo para digerir suas histórias que finalmente somos levados ao espetáculo que nos foi entregue este ano.
“Duna: Parte 2” reconhece cada um dos aspectos mais fortes de seu antecessor e os eleva com tremenda maestria em sua execução. Presenciando as consequências diretas das ações do último filme, desta vez os riscos são ainda maiores e, consequentemente, a quantidade de informações na história também. No entanto, mesmo com a narrativa mais carregada, por já compreendermos quem são esses personagens e o que está em jogo nesse universo, a obra aprofunda-se ainda mais no lado psicológico de seus protagonistas, personificando suas principais reflexões e críticas através do perigoso e explosivo caminho que vai sendo desenhado por eles.
À medida que a história testa a fé e coloca à prova os princípios daqueles personagens, a construção visual e sonora de Denis Villeneuve nos impulsiona a um mar de sensações tão fortes que faltam palavras para descrever a potência que esse filme possui. É hipnotizante observar a maestria com que cada take é capturado e a quantidade de informações que ele é capaz de nos entregar, assim como é surreal testemunhar o quão imersivo e provocativo é o design de som da obra. Podemos sentir a textura e imaginar a sensação de se deitar sob aquele mar de areia só pelo som que os grãos fazem quando um simples movimento os atinge. Sem falar, é claro, da esplêndida trilha sonora de Hans Zimmer que nos tira o fôlego durante todo o filme.
Como nunca li o livro de Duna, não sou capaz de opinar sobre a qualidade e fidelidade do caráter adaptativo da obra. Contudo, algo que me sinto na obrigação de dizer é o quanto me soou ousada a decisão de não mascarar as fortes críticas tecidas pela narrativa ao fundamentalismo e fanatismo religioso, fazendo dessas temáticas o ponto principal de todos os conflitos internos e políticos da trama, e acho importante ressaltar também, o quanto as novas adições de elenco foram benéficas para o filme. Florence Pugh, Christopher Walken e principalmente Austin Butler roubam os holofotes em todas as cenas que estão presentes, e se tem algo que nos deixam a desejar é apenas por mais momentos com seus personagens.
“Duna: Parte 2” é um marco cinematográfico a ser lembrado, provando mais uma vez que a palavra blockbuster não precisa estar necessariamente atrelada a algo genérico ou a uma linguagem estritamente comercial. Denis não sacrifica, em momento algum, os simbolismos e o imaginário da narrativa na esperança de tornar o longa mais simples e fácil de digerir pelo público geral. Ele não acelera o desenvolvimento de determinados personagens a fim de chegar mais rapidamente na próxima sequência de ação. Sua câmera demonstra o quão inventivo e ambicioso ele continua sendo, e seu roteiro escancara o quanto ele compreende o momento certo onde palavras são necessárias e quando apenas olhares podem nos fazer compreender o que seus personagens estão pensando e sentindo. Assistindo Duna, só consigo imaginar que estou presenciando a história sendo escrita na minha frente, o equivalente a Star Wars e O Senhor dos Anéis para outras gerações.
É impossível ignorar também a importância que o filme possui nesse movimento de retomada e, de certo modo, até mesmo de ressignificação das salas de cinema. Com o domínio avassalador dos streamings na atualidade, somado ao fato de que os ingressos de cinema se tornam a cada dia mais inacessíveis a todos com seus preços exorbitantes, cada vez mais tendo sido possível perceber uma certa priorização de assistir algo em casa, tanto pela praticidade quanto pelo custo. Sendo assim, a decisão de abdicar do conforto do sofá da sala para ir até um cinema tem se tornado cada vez mais complexa, já que ninguém quer gastar 50 reais para assistir a um filme genérico e esquecível. E é exatamente aí que a importância de filmes como Duna podem ser percebidos.
Martin Scorsese desde sempre, Tom Cruise com “Top Gun: Maverick”, James Cameron com “Avatar”, Christopher Nolan com “Oppenheimer” e agora Denis Villeneuve com “Duna: Parte 2”. Todos vieram à frente defendendo a ideia de filmes que merecem ser vistos na maior tela que você encontrar com o melhor som possível, pois a experiência de assisti-los dentro de uma sala de cinema é incomparável com a de se assistir em casa, e realmente assim eles têm se provado. O cinema da experiência tem conseguido se sobressair quanto ao do entretenimento barato, e isso é algo que eu acho muito importante de se refletir.
Nesse segundo capítulo, Denis Villeneuve abraça o que esse universo tem a oferecer de melhor e expande brilhantemente suas temáticas a um nível tão magnífico de execução, que se torna fácil imaginar o longa indo parar diretamente na prateleira dos maiores filmes de ficção científica já feitos. É preciso assistir e compreender por si só a magnitude presente numa arte feita por alguém tão apaixonado por seu trabalho. “Duna: Parte 2” é excelente em tudo o que se propõe, refletindo a cada frame, som e atuação o impacto que o cinema é capaz de provocar. Portanto, não consigo evitar de dizer que a obra beira a perfeição.
Nunca vou esquecer da sensação que senti quando os créditos surgiram…
Kenai
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